patavinas

Às vezes é difícil decidir o que dói mais, escrever ou engolir as palavras. Deixar que elas entrem em contato com tudo que está dentro da gente, deixar que elas se percam num estômago faminto, num coração acelerado ou num fígado mal-humorado.

Wednesday, April 06, 2011

Textos do cacete

Parece falta de modéstia, mas vou falar assim mesmo. Na maioria das vezes em que leio é por pura preguiça de escrever. Fico horas lendo textos sofríveis quando poderia em alguns minutos fazer coisa muito melhor. Porém a preguiça é mãe das invenções e a avó dos lamentos. Agora mesmo estava lendo o tipo de texto que mais me irrita: textos descritivos que usam a opinião do autor como adjetivo. Exemplo: Quartos amplos – no lugar de quartos de 40 metros quadrados ou cores agradáveis em vez de parede rosa. Ora, que porra significa amplo ou agradável ou, pior ainda, de gosto duvidoso? Como esse escritor cara pálida sabe quem eu sou e o que eu penso, posso ser um sheik árabe e achar qualquer ambiente de menos de cem metros super apertado, posso ser anão ou posso ser tarado por estampa de oncinha. É uma puta sacangem um cara ser mandado por Havaí com tudo pago e descrever o restaurante do hotel com frases do tipo a comida é bem temperada, as cadeiras são confortáveis e a vista é linda. Veja a diferença para o que seria uma descrição objetiva: o frango é preparado com pimenta, as cadeiras têm estofamento em couro com algodão e a vista é a lateral norte da praia de Waimea. Agora sim eu posso avaliar se acho a comida temperada, a cadeira confortável e a vista linda. Será muito difícil contar como uma coisa é e não o que você achou dela? Isso me lembra uma amiga com quem já não converso tanto e que tinha mania de reduzir qualquer narração a um “foi legal”. Ela ia ao cinema com o namorado e dizia “foi legal”, passava três meses em paris e “foi legal”. A gente tinha impressão que se ela ganhasse na loto e alguém perguntasse como era a sensação ia ouvir “é legal”. Essa era sua versão de um resumo. Se não fosse assim, ela ia contar tudo, absolutamente tudo em detalhes mínimos. Ou seja, ela era capaz de levar duas horas descrevendo um encontro de duas horas e provavelmente ia precisar de três meses falando sem parar para contar uma viagem de três meses. Para reduzir, ela optava pelo “foi legal”. Oito ou oitenta. Assim são alguns muitos jornalistas de turismo. Ou você lê algo parecido com o guia michelin ou lê um”foi legal”, “verão intenso”, “pessoas interessantes” e o que mais o cara achar. É importante lembrar que jornalista de turismo não é crítico de viagem. Eu não leio uma revista de turismo para saber a opinião do cara sobre dubai, eu leio pra saber como é dubai e ter a minha própria opinião. O que significa arquitetura moderna e arrojada? Mande trinta pessoas desenhar um prédio nesse estilo e você terá trinta prédios totalmente diferentes, talvez nenhum com arquitetura moderna nem arrojada. Não que o pobre coitado que viajou de graça por primeiro spa seis estrelas do universo não possa dar sua humilde opinião sobre o welcome drink, mas ele só deveria fazer isso depois de dizer exatamente o quanto tinha de cachaça e o quanto era só guarda-chuvinha. Mas sabe o que você vai ler? Uma frase viadinha assim: “fui recebido com uma bebida deliciosa”. Ora, delicioso é o cacete. Mas não o desse jornalista, claro.