O fim de Hanói
Terminei
de ler Hanoi, impressionante livro de Adriana Lisboa, mais impressionante ainda
pelo fato de eu nunca ter ouvido falar dessa escritora e me deparar com um
texto tão sensível e preciso. Como se fosse possível esgotar em palavras cada
pequena alteração de nossas almas. Não é uma dissecação de sentimentos, mas um
aprofundamento, que parece o único caminho para se entender ou pra se desistir
de se entender de vez.
Lendo
essa história melancólica, acho que a melancolia é uma tristeza conformada, uma
tristeza que até gosta de ser triste, que não lembra mais como é a alegria. Sei
que estou influenciada pelo texto devastador de Adriana e aproveito essa
inspiração de Hanói para narrar o que parece ser o meu próprio fim.
Esse
pensamento da viagem, que existe no livro, é mais do que recorrente para mim,
como se estar em outro lugar fosse simplesmente me transformar em outra pessoa.
Como se fossem os cenários, e não as atitudes dos personagens, os verdadeiros
responsáveis pelo desenrolar da história.
Pensei
na minha cidade, no Rio que eu chamo de meu, o que tem de meu aqui? Com o olhar
ainda embaçado pelas imagens do livro, me vi na decadência da cidade ou vi a
minha decadência na cidade.
Se
pudéssemos conversar, eu e o Rio de janeiro, ele poderia responder muito bem a
todas as minhas acusações. Eu diria que quero as praias limpas, menos pessoas,
uma niemieyer sorridente, lugares para estacionar o carro na zona sul, sair de
noite preocupada só com os bandidos e não com a polícia, avançar tranquilamente
os sinais da avenida atlântica, estacionar na calçada, subir a favela, fumar na
sala de reunião, ir ao motel, olhar o mar na joatinga, beber cerveja de garrafa
na areia da praia, encostar num carro numa esquina do baixo Leblon e esperar a
noite se transformar em príncipe encantado. Do que mais tenho saudade? Aí o Rio
simplesmente ia ria na minha cara, diria olha pra você. Sim, olho para mim.
Eu
também não sou mais maravilhosa, perdi a esperança, perdi a vontade de rir,de
me apaixonar, nada me tira do estado melancólico em que estou há não sei quanto
tempo. Não podem ter sido só as mudanças da cidade que me deixaram desse jeito.
Eu já tive peito pra enfrentar engarrafamentos e enchentes, mas agora um vento
frio é suficiente para roubar minha energia, esmagar meus planos.
Acho
que o Rio também queria o meu sorriso, o meu jeito otimista, a minha coragem, a
minha ousadia que chegava a se decepcionar com o previsível, a minha vontade e
determinação de viver uma utopia, como se mágica fosse eu e não a cidade.
Por
isso, hoje, ao imaginar Hanói, eu vi o Rio e no Rio eu vi uma pessoa que também
não é mais a mesma. Já não sei quem reflete as desgraças de quem, se eu ou a
cidade. O que é espelho e o que sou eu.
Sinto
como se a minha volta não houvesse pessoas ou coisas, mas destroços, restos do
que um dia foi a minha vida, feito uma festa que acabou e levou embora o
brilho, talvez imaginário, do lugar, deixando a mostra um sofá meio rasgado, o
chão sujo, e rugas, muitas rugas num rosto que parece estranhamente triste e ao
mesmo tempo imune ao sentimento.
Eu
e o Rio não estamos desesperados, não estamos chorando, nem berrando, estamos
aqui, sendo revistados por policiais num eterno engarrafamento, vendo nossas
estações se misturarem, perdendo a noção de quando brilhar o sol e quando
chover a chuva, sentindo frio e calor em horas errados. Estamos cobertos pela
névoa do esquecimento e da melancolia, sabemos que o Cristo está lá, mas não
conseguimos mais vê-lo. Sabemos que a Urca e a beleza dos morros existem,
apesar de tudo, inclusive da feiura de nossas almas.
Não
há retorno, somente continuação, eu não ficarei mais jovem nem o rio voltará a
ser maravilhoso como antes. Vamos apenas continuar tentando nos amoldar um ao
outro, com a estranheza de um casal de idosos que foi dormir com 20 anos e
acordou com 80. Vamos fazer cara de tudo bem, seguir em frente. Ou seguir em
círculos, na esperança bem franzina de nos encontrar em algum ponto do caminho.
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