patavinas

Às vezes é difícil decidir o que dói mais, escrever ou engolir as palavras. Deixar que elas entrem em contato com tudo que está dentro da gente, deixar que elas se percam num estômago faminto, num coração acelerado ou num fígado mal-humorado.

Monday, July 08, 2013

O fim de Hanói

Terminei de ler Hanoi, impressionante livro de Adriana Lisboa, mais impressionante ainda pelo fato de eu nunca ter ouvido falar dessa escritora e me deparar com um texto tão sensível e preciso. Como se fosse possível esgotar em palavras cada pequena alteração de nossas almas. Não é uma dissecação de sentimentos, mas um aprofundamento, que parece o único caminho para se entender ou pra se desistir de se entender de vez.

Lendo essa história melancólica, acho que a melancolia é uma tristeza conformada, uma tristeza que até gosta de ser triste, que não lembra mais como é a alegria. Sei que estou influenciada pelo texto devastador de Adriana e aproveito essa inspiração de Hanói para narrar o que parece ser o meu próprio fim.

Esse pensamento da viagem, que existe no livro, é mais do que recorrente para mim, como se estar em outro lugar fosse simplesmente me transformar em outra pessoa. Como se fossem os cenários, e não as atitudes dos personagens, os verdadeiros responsáveis pelo desenrolar da história.

Pensei na minha cidade, no Rio que eu chamo de meu, o que tem de meu aqui? Com o olhar ainda embaçado pelas imagens do livro, me vi na decadência da cidade ou vi a minha decadência na cidade.

Se pudéssemos conversar, eu e o Rio de janeiro, ele poderia responder muito bem a todas as minhas acusações. Eu diria que quero as praias limpas, menos pessoas, uma niemieyer sorridente, lugares para estacionar o carro na zona sul, sair de noite preocupada só com os bandidos e não com a polícia, avançar tranquilamente os sinais da avenida atlântica, estacionar na calçada, subir a favela, fumar na sala de reunião, ir ao motel, olhar o mar na joatinga, beber cerveja de garrafa na areia da praia, encostar num carro numa esquina do baixo Leblon e esperar a noite se transformar em príncipe encantado. Do que mais tenho saudade? Aí o Rio simplesmente ia ria na minha cara, diria olha pra você. Sim, olho para mim.

Eu também não sou mais maravilhosa, perdi a esperança, perdi a vontade de rir,de me apaixonar, nada me tira do estado melancólico em que estou há não sei quanto tempo. Não podem ter sido só as mudanças da cidade que me deixaram desse jeito. Eu já tive peito pra enfrentar engarrafamentos e enchentes, mas agora um vento frio é suficiente para roubar minha energia, esmagar meus planos.

Acho que o Rio também queria o meu sorriso, o meu jeito otimista, a minha coragem, a minha ousadia que chegava a se decepcionar com o previsível, a minha vontade e determinação de viver uma utopia, como se mágica fosse eu e não a cidade.

Por isso, hoje, ao imaginar Hanói, eu vi o Rio e no Rio eu vi uma pessoa que também não é mais a mesma. Já não sei quem reflete as desgraças de quem, se eu ou a cidade. O que é espelho e o que sou eu.

Sinto como se a minha volta não houvesse pessoas ou coisas, mas destroços, restos do que um dia foi a minha vida, feito uma festa que acabou e levou embora o brilho, talvez imaginário, do lugar, deixando a mostra um sofá meio rasgado, o chão sujo, e rugas, muitas rugas num rosto que parece estranhamente triste e ao mesmo tempo imune ao sentimento.

Eu e o Rio não estamos desesperados, não estamos chorando, nem berrando, estamos aqui, sendo revistados por policiais num eterno engarrafamento, vendo nossas estações se misturarem, perdendo a noção de quando brilhar o sol e quando chover a chuva, sentindo frio e calor em horas errados. Estamos cobertos pela névoa do esquecimento e da melancolia, sabemos que o Cristo está lá, mas não conseguimos mais vê-lo. Sabemos que a Urca e a beleza dos morros existem, apesar de tudo, inclusive da feiura de nossas almas.

Não há retorno, somente continuação, eu não ficarei mais jovem nem o rio voltará a ser maravilhoso como antes. Vamos apenas continuar tentando nos amoldar um ao outro, com a estranheza de um casal de idosos que foi dormir com 20 anos e acordou com 80. Vamos fazer cara de tudo bem, seguir em frente. Ou seguir em círculos, na esperança bem franzina de nos encontrar em algum ponto do caminho.

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