Saturday, November 22, 2014
Quando a gente é adolescente,
nossos amigos são mais que amigos, são mais que nossa família, são praticamente
uma extensão de nós mesmos.
Eu, na fase dos 16 aos 20 mais ou
menos tive uma amiga ( ainda amiga até hoje- só mais afastada) que era praticamente
minha sombra.
Natural que duas adolescentes tão
unidas contem algumas mentirinhas de vez em quando, quase códigos de uma
sociedade formada por uma dupla, tantas vezes chamadas de “irmãs jacarandás”,
tanto pela nossa proximidade quanto pela cor dos nossos cabelos.
Assim, dizer de vez em quando que
éramos irmãs de verdade tornou-se um hábito, uma mentira tão desnecessária quanto
inevitável. Só uma vez tive a impressão que a Andréa contava essa mentira mais
por pena de mim do que por se sentir minha irmã.
Foi num dos muitos dias que
inventamos isso e eu comecei a contar uma história fazendo várias referências a
“nossa mãe e ao nosso pai”, percebi que soava engraçado, mas achei que era por
ser filha única, eu não teria mesmo como já ter usado essa expressão.
Somente quando a vítima da
mentira foi embora, a Andréa me olhou com uma cara de piedade profunda e me
disse pacientemente. Gisela, as pessoas que têm irmãos não falam “nossa mãe”. E
eu: Não? Mas por quê? A mãe não é dos dois?, Ela outra vez paciente. Sim, a mãe
é dos dois, mas a gente não lembra disso o tempo todo, cada um fala minha mãe e
pronto, ninguém fica pensando que a mãe é a mesma. Ahhhhh.
Nunca mais cometi a gafe e sempre
que lembro tenho vontade de rir, em vez de ficar triste como fiquei na hora,
pra falar a verdade nem sei se fiquei triste mesmo, já que naquela época nós
riamos de tristeza e de alegria.
Hoje, pensando em Nossa Senhora,
nossa mãe do céu, me veio a lembrança da Andréa explicando o porquê de se dizer
minha e percebi mais uma vez que ela estava certa.
Muitas vezes dizemos Nossa
Senhora quando estamos numa missa ou então falando da Santa para outras
pessoas, mas quando cada um de nós fala com Ela, diz apenas “minha mãe” ou
“minha mãe do céu”.
Certo, pode ser que nessas horas
a gente também esqueça de que Nossa Mãe tem outros filhos, que são nossos irmãos
na terra aos olhos do céu, mas impossível não se tocar disso em todas as outras
vezes que simplesmente dizemos Nossa Senhora.
Hoje eu dedico esse texto a Nossa
Senhora, mãe que por ser lembrada tanto como minha quanto como nossa, dá irmãos
a todos os filhos únicos como eu, e mãe a cada um dos órfãos.
Uma razão para brigarmos menos,
para compreendermos mais e para agradecer sempre. Uma humanidade inteira de
irmãos é a família que Deus nos deu. E não é pouca coisa.
Vivendo dessa forma, percebemos
que Deus nos ensinou a nunca esquecer que o outro tem muito em comum com você,
tanto que é filho da mesma Mãe e do mesmo Pai.
Por isso, fiquemos juntos, como
família, e nunca estaremos sós.
Fiquemos com Deus e com Nossa
Senhora, essa sim, Nossa Mãe.
Wednesday, May 21, 2014
Paciência
Dizem que,
com a idade, a gente vai ficando mais paciente. Quer dizer, não sei se dizem
isso mesmo, se eu acabei de inventar isso ou se estou tentando criar uma
realidade para me adaptar à vida. Acho que gostei dessa última opção.
Quanto mais
velho a gente fica, mais paciente precisa ser. Sim, porque certas chatices são
novidade para quem tem menos de 30, mas pra quem já passa dos 40 é mais uma
repetição de chatice, e,se tem uma coisa mais chata que a chatice é sua
repetição. Algumas pessoas, em vez de se acostumar com as coisas chatas, tipo
engarrafamento, horário eleitoral, previsão do tempo, ficam cada vez mais
irritadas, porque não suportam mais todos os dias as mesmas chatices.
Isso
certamente explica alguns infartos e talvez explique também algumas separações.
Você se separa só pra ver se muda alguma coisa na sua vida, o que pode gerar
incessantes frustrações, já que todos os homens e todas as mulheres também, são
chatos ou chatas de alguma forma, só mudam as formas. Pior é você descobrir que
preferia as chatices do seu ex do que do seu atual.Isso é muito chato.
Você também
pode passar a vida toda mudando de emprego, só pra descobrir que um é mais
chato ainda do que o outro. Isso te traz verdadeiras revelações. Conheço gente
que jura de pés juntos ( pés juntos? É isso mesmo? De onde será que veio
isso?), continuando, jura que não há nada mais chato que sua rotina, até que acontece
algo que consegue, como se diz, piorar o impiorável. Outra coisa que se aprende
com a idade. Por pior que esteja, sempre dá pra piorar.
E vamos falar
de coisas chatas? Pois eu vou. Hoje abri uma revista e estava lá, formas de
acabar com a celulite, como saber se ele está a fim de você, como satisfazer
seu namorado na cama, novos cremes anti-rugas e por aí vai.
Meu Deus,
quantas vezes já vi essas coisas? Quando eu tinha, sei lá, 15 anos, acreditava
que era possível satisfazer meu namorado, acabar com a celulite e não ter
rugas, hoje posso garantir de pés juntos, seja lá o que isso signifique, que
tudo isso é impossível, todas as mulheres têm ou terão celulite, nenhum homem jamais ficará satisfeito com a
mulher que tem, e todos nós ficaremos muito enrugados, se não morrermos antes.
Pronto, simples assim.
Seria muito
cruel dizer logo isso pras pessoas e mandar elas se preocuparem com outras
coisas, tipo, nunca colocar a net em débito automático?
Por que não
existem revistas para mulheres que sabem que não há como acabar com a celulite?
Sei que todos nós precisamos de sonhos pra viver, mas podemos ter sonhos mais
nobres, acabar com a miséria, a fome, diminuir pelo menos, os vícios, o
preconceito, deixa a porra da celulite pra lá.
Queridos
leitores e leitoras, se é que vcs existem, nós não precisamos ser lindas, ter
um marido rico e compreensivo, ter um carro que estacione sozinho, nem ter cabelos
maravilhosos e brilhantes. Nós precisamos é ter paciência, muita paciência pra
viver nesse mundo exatamente do jeito que ele é e sem perspectiva de melhorar.
Pessimismo? Não. Paciencismo, minha última invenção. A valorização da paciência
como única forma de sobrevivência. Acho que não é à toa que as duas palavrinhas
rimam.
Ah, não se
irritem, mas, beijinho no ombro, tá?
Gisela
Cesario
Wednesday, October 23, 2013
casa de poesia
-Poesia inspirada em cânticos 1,
15-17
Vamos viver numa casa de poesia
Fazer amor em versos
Deitar em rimas
Nos alimentar de suspiros e
melodia
Vamos encher os armários de
palavras
As gavetas de vírgulas
E a geladeira de sonetos
Vamos respirar estrelas
E guardar o céu no travesseiro
Vamos deitar com a eternidade
E acordar felizes pra sempre
Vamos todo dia
Poesia e mais poesia
E se enjoar, pára
E se enjoar, prosa
Mas se você se apaixonar
Vai viver letra de música
Que eu vou tocar na varanda
Tendo o céu como plateia
E teu corpo como banda
Tendo gozo como acorde
E a morte como quem dorme
Gisela Cesario.
Tuesday, October 08, 2013
Salvem as baratas!
Durante as últimas décadas,
acredito que todos os seres humanos se depararam com a súplica “ Salvem as
baleias!”, todo mundo já viu aquelas imagens horrendas de um arpão sendo jogado
na água, depois o sangue toma conta da água, o repórter faz uma voz embargada e
informa que aquela era a última baleia branca de bolinhas pretas.
Nada tenho contra baleias, nem
contra micos leões dourados, nem contra bicho nenhum, o que me intriga é a
naturalidade com que aceitamos que certos animais nasceram pra virar comida,
como bois e galinhas, e outros nasceram para serem preservados.
Não me venha falar em equilíbrio
ambiental, eu sei, mas o que estou dizendo nada tem a ver com isso. Tem a ver
com o fato de que na china, todo mundo acha normal comer um cachorro, aqui você
seria quase um canibal.
Na Índia, é um absurdo consumir a
carne da vaca, que é sagrada, aqui a gente comete um sacrilégio a cada
churrasco de domingo.
No fundo, é tudo uma questão de
cultura, ou da falta dela. Mas vou chegar logo ao ponto que me levou a lutar
pelas baratas. Eu detesto ver animais sofrerem, reconheço minha máxima culpa
cada vez que coloco um pedaço de salmão na boca, não fui eu quem matou, mas
alguém matou porque gente que nem eu come, então também sou culpada.
Só um parêntese -( você já parou
para pensar que os peixes morrem sufocados, asfixiados, como se de repente
aparecesse alguém e enfiasse sua cabeça numa bacia de água até você parar de
respirar?).
Não vou ficar explicando sobre
cada morte animal, mas todas têm em comum a crueldade. Olha, eu não sou nenhuma
Madre Teresa, há duas semanas assassinei covardemente um filhote de barata com
um chinelo. Mas, desde então, veio a luz.
Costumamos classificar
determinados bichos como pragas para justificar seu extermínio. As pragas
transmitem doenças, essa é verdade inquestionável do mundo. Bom, os cachorros
também transmitem doenças, os gatos, os cavalos. Inclusive, eu tenho absoluta
certeza que já peguei mais doenças de homens do que de baratas, até porque não
costumo me relacionar sexualmente com elas.
O assento do metrô transmite
doenças, a porta do banheiro, você sabe que essa lista não tem fim. Por isso,
nós, humanos, temos anticorpos, senão morreríamos cada vez que alguém espirrasse
ao nosso lado.
Sei o quanto isso parece loucura,
mas acredito que tudo que tem vida tem alma, plantas, bichos, pensei ainda mais
nisso depois do dia de São Francisco de Assis ( lembra de irmão sol, irmã lua?)
Não virei hippie (ainda), mas
decidi solenemente que não vou mais matar nenhuma barata, não vou pisar em
formigas (cara, sério, isso é tão brutal), controlarei firmemente minha
repugnância a lesmas, jamais darei uma vassourada num rato. Ou seja, se
depender de mim, a insetisan vai morrer de fome.
Nenhum desses bichos oferece
perigo algum para mim, nunca fui ameaçada por uma barata, nenhum rato jamais
abusou de mim, as formigas nem sabem que eu existo.
Você já reparou que o ser humano é
o único animal que mata outro só porque está com nojo? Dá para imaginar uma
onça destruindo um bambi e deixando ele pra lá, fazendo aquela cara de “odeio
esses viadinhos”? É isso que a gente faz com uma barata, mata, faz cara de
besta e segue a vida.
Alguém deve estar imaginando que
minha casa deve ser um lixo completo, mas eu digo que não, aqui é um lugar onde
há respeito, cada um na sua, a sujeira das “pragas” não está nelas, está no
nosso esquisito pensamento.
E digo mais, um dia também vou
parar de comer salmão!
Friday, September 13, 2013
Homens- como se dar bem na internet ou manual do pegador on-line
Veja bem, não me considero a
pessoa mais experiente em namoro pela internet, mas há algumas coisas bem básicas que um homem NÃO
deve fazer se quiser ganhar alguma mulher.
1- Não coloque fotos de boné e
óculos escuros, é impossível saber se alguém é bonito ou não assim, parece mais
um disfarce,e acabamos por decidir que não.
2- Não apareça segurando qualquer
tipo de bebida, se for alcoólica, vc vai parecer um cachaceiro, se não for, vai
parecer um boiola.
3-Não use fotos em que vc cortou a
sua ex, mas dá pra ver que ela estava ali, aparece uma unha, ou um pedaço de
cabelo. Isso é falta de respeito.
4-Pode botar foto de sunga, mas
evite o estilo garoto do fantástico, todo produzido para foto.
5- Por mais lindos que sejam seus
filhos, mantenha-os fora das fotos de perfil. Isso também é falta de respeito e
dá a impressão de que vc é meio problemático.
6-Evite ainda colocar aquela foto
que vc tirou numa viagem na neve, todo encasacado, com gorro e tudo mais. É
inútil, não pra saber como vc é e só serve pra mostrar que vc viajou.
7-Não se descreva demais, nem faça
muitas piadas no texto. Só o básico tá bom, ninguém escolhe um homem pelo filme
que ele viu ou o livro que leu.
8-Não se limite. Dispensar
mulheres muito novas ou muito mais velhas é besteira, vc pode olhar e gostar,
cara que limita muito geralmente não gosta da coisa.
9-Depois do primeiro contato,
parta logo pro abraço, não fique testando a paciência dela no MSN ou no
skype, vc corre o risco de descobrir que
ela é chata antes de saber se é gostosa, ou pode ser que ela descubra que vc é chato antes de conhecer o melhor da sua personalidade...
10-Pague a porcaria de um plano
que permita que você veja o que te escrevem
e se comunique, não fique colocando email em código, faz vc parecer pão
duro ou pobre ou as duas coisas.
11- Por último, jamais use o
plural! Não fale, oi meninas, ou mulheres do Brasil, toda mulher quer ser
única, fale somente com ela, tipo só pra você.
12-Se depois de seguir todas essas
regras,vc continuar liso, desista, pegue o dinheiro do seu plano e parta para
uma boa casa de massagem.
Monday, July 08, 2013
O fim de Hanói
Terminei
de ler Hanoi, impressionante livro de Adriana Lisboa, mais impressionante ainda
pelo fato de eu nunca ter ouvido falar dessa escritora e me deparar com um
texto tão sensível e preciso. Como se fosse possível esgotar em palavras cada
pequena alteração de nossas almas. Não é uma dissecação de sentimentos, mas um
aprofundamento, que parece o único caminho para se entender ou pra se desistir
de se entender de vez.
Lendo
essa história melancólica, acho que a melancolia é uma tristeza conformada, uma
tristeza que até gosta de ser triste, que não lembra mais como é a alegria. Sei
que estou influenciada pelo texto devastador de Adriana e aproveito essa
inspiração de Hanói para narrar o que parece ser o meu próprio fim.
Esse
pensamento da viagem, que existe no livro, é mais do que recorrente para mim,
como se estar em outro lugar fosse simplesmente me transformar em outra pessoa.
Como se fossem os cenários, e não as atitudes dos personagens, os verdadeiros
responsáveis pelo desenrolar da história.
Pensei
na minha cidade, no Rio que eu chamo de meu, o que tem de meu aqui? Com o olhar
ainda embaçado pelas imagens do livro, me vi na decadência da cidade ou vi a
minha decadência na cidade.
Se
pudéssemos conversar, eu e o Rio de janeiro, ele poderia responder muito bem a
todas as minhas acusações. Eu diria que quero as praias limpas, menos pessoas,
uma niemieyer sorridente, lugares para estacionar o carro na zona sul, sair de
noite preocupada só com os bandidos e não com a polícia, avançar tranquilamente
os sinais da avenida atlântica, estacionar na calçada, subir a favela, fumar na
sala de reunião, ir ao motel, olhar o mar na joatinga, beber cerveja de garrafa
na areia da praia, encostar num carro numa esquina do baixo Leblon e esperar a
noite se transformar em príncipe encantado. Do que mais tenho saudade? Aí o Rio
simplesmente ia ria na minha cara, diria olha pra você. Sim, olho para mim.
Eu
também não sou mais maravilhosa, perdi a esperança, perdi a vontade de rir,de
me apaixonar, nada me tira do estado melancólico em que estou há não sei quanto
tempo. Não podem ter sido só as mudanças da cidade que me deixaram desse jeito.
Eu já tive peito pra enfrentar engarrafamentos e enchentes, mas agora um vento
frio é suficiente para roubar minha energia, esmagar meus planos.
Acho
que o Rio também queria o meu sorriso, o meu jeito otimista, a minha coragem, a
minha ousadia que chegava a se decepcionar com o previsível, a minha vontade e
determinação de viver uma utopia, como se mágica fosse eu e não a cidade.
Por
isso, hoje, ao imaginar Hanói, eu vi o Rio e no Rio eu vi uma pessoa que também
não é mais a mesma. Já não sei quem reflete as desgraças de quem, se eu ou a
cidade. O que é espelho e o que sou eu.
Sinto
como se a minha volta não houvesse pessoas ou coisas, mas destroços, restos do
que um dia foi a minha vida, feito uma festa que acabou e levou embora o
brilho, talvez imaginário, do lugar, deixando a mostra um sofá meio rasgado, o
chão sujo, e rugas, muitas rugas num rosto que parece estranhamente triste e ao
mesmo tempo imune ao sentimento.
Eu
e o Rio não estamos desesperados, não estamos chorando, nem berrando, estamos
aqui, sendo revistados por policiais num eterno engarrafamento, vendo nossas
estações se misturarem, perdendo a noção de quando brilhar o sol e quando
chover a chuva, sentindo frio e calor em horas errados. Estamos cobertos pela
névoa do esquecimento e da melancolia, sabemos que o Cristo está lá, mas não
conseguimos mais vê-lo. Sabemos que a Urca e a beleza dos morros existem,
apesar de tudo, inclusive da feiura de nossas almas.
Não
há retorno, somente continuação, eu não ficarei mais jovem nem o rio voltará a
ser maravilhoso como antes. Vamos apenas continuar tentando nos amoldar um ao
outro, com a estranheza de um casal de idosos que foi dormir com 20 anos e
acordou com 80. Vamos fazer cara de tudo bem, seguir em frente. Ou seguir em
círculos, na esperança bem franzina de nos encontrar em algum ponto do caminho.
Saturday, March 23, 2013
cárcere
Pelas leis brasileiras, ninguém pode ficar preso mais de
30 anos. O Universo, porém, não está nem aí pra isso. Eu estou presa nesse
corpo há 39 anos e alguns meses e dias. Condenada a uma pena desconhecida por
um crime ignorado. Estou presa num corpo cada vez mais cansado e menos disposto
a cooperar comigo. Muitas vezes quero andar mais e ouço um solene não dos meus
pés, meus joelhos cismam de doer se eu tentar correr como antes. No espelho me
olham uns olhos tristes, com rugas em volta, uns olhos fartos de tudo que já
viram, que não acreditam ou preferem nem olhar pro que estão vendo agora.
Meus pensamentos estão detidos numa cabeça gasta, que faz
a memória me trair. Quem eu era mesmo? Já estou aqui nesse corpo há tanto
tempo, vendo ele se desfazer, o que vim fazer aqui?
Me invade uma sensação de que eu sou uma árvore ou um poste,
algo que permanece enquanto as coisas passam. Passam por mim os verões, os
empregos, os homens, os natais, passa a dor e alegria, passam dias e mais dias,
por estranho que pareça, as noites passam menos ou vai ver que eu não reparo.
Passa até a eternidade que eu jurava era pra sempre.
Não existe prisão perpétua. O cadáver é o fim do cárcere.
Enterrem, queimem, doem pra USP, não me interessa. No dia em que sair desse
corpo, vou, por contraditório que soe, finalmente respirar.
Sim, o ar está cheio de liberdade, quero também ser ar ou
então nem isso, não quero moléculas, quero passar também, sair do meu ponto de
observação, não ver mais o que virá. Quero ir para algum lugar onde eu mesma
não esteja, nem ninguém, nem nada. Onde nem o vazio habita.
O fim do ser é o não ser. Sem nome, peso, CPF, cor dos
olhos, sem sonhos, currículo, fonte de renda, sem chance, sem perda, sem
obrigação. Sem palavras, sem explicações.
Adeus corpo cruel, tchau cabeça complicada, bye bye Brasil,
mundo e a puta que pariu.
A escrita é alma tentando fugir do corpo, ela tenta pela
boca e depois pelas mãos, mas ela nunca consegue sair da prisão da cabeça.
Hoje vou olhar meu corpo, minha cela, e decidir em que
canto vou dormir, se no tornozelo ou no cotovelo, posso também me espalhar e
dormir no corpo inteiro. Pena que não há surpresas, conheço cada canto desse
cárcere. E mesmo assim não acho a saída.
Algumas palavras, levadas por uns pensamentos, acabaram
de fugir, mas me deixaram aqui, como sempre, elas nunca me levam com elas.
Promessas. Agora eu acredito no fim ou só no fim eu acredito agora.
Contradição é vida. A favor é morte. Um lado só, adeus
dúvidas e dívidas e dádivas e proparoxítonas. Adeus, poesia boba.
Hoje é dia 23 de março de 2013.Estou presa aqui. Ainda.