patavinas

Às vezes é difícil decidir o que dói mais, escrever ou engolir as palavras. Deixar que elas entrem em contato com tudo que está dentro da gente, deixar que elas se percam num estômago faminto, num coração acelerado ou num fígado mal-humorado.

Monday, October 12, 2009

O dia em que eu morri

Quando eu era adolescente havia um comercial excelente falando dos males de beber e dirigir. Era um cara normal com uma blusa preta, ele falava pra câmera e parecia que ele ia contar um acidente normal de trânsito, mas no meio do texto ele falava “aí, cara, eu morri..., pois é, eu morri.” O fechamento era algo do tipo “quem morre não volta pra contar história”. Ganhou vários merecidos prêmios tanto pela simplicidade quanto pela inteligência. Mas eu não comecei a escrever para falar em bebida nem na inacreditável lei seca. Escrevo pra falar mesmo na morte. A gente sempre pensa na morte como o fim. E tem que quem diga que a morte não é o fim. Pois eu acho que o fim nem sempre é a morte. Fulaninho morreu e não sabe é uma expressão muito comum e não é à toa que ela é usada, tem gente que está realmente tão desconectada da vida que praticamente está morta. Tb acho que eu sou uma dessas pessoas. A diferença é que eu sei. Eu bebi, dirigi e morri. Só que não foi num acidente de carro, foi num acidente de vida mesmo. Foi num daqueles erros que a gente comete que não se satisfazem em serem somente um erro, eles se reproduzem, têm filhotes e quando a gente vê a nossa vida está tão errada mas tão errada que nem é mais uma vida, é uma morte mesmo. Eu não sei mais distinguir a mentira da verdade, a paranóia da certeza, o medo real da loucura nem o amor da solidão. Eu morri, como dizia o cara da propaganda. Eu olho pros lugares e me procuro, eu não estou bebendo naquele botequim, não estou jantando com meu marido, não estou em casa vendo novela, não estou me drogando nem fazendo sexo, não estou na fila da boate. Eu estou na minha enorme ausência de todas essas coisas e todos esses lugares. Morrer é ser o não ser. Eu hoje, ou melhor, há muito tempo, já não sou. Não importa o quê, nem importa quem, o que importa é o não. A vida é uma coisa que parece te dizer sim todos os dias até que um dia não, pronto, morreu. É isso.
Ninguém vai ler esse texto porque talvez eu nem esteja aqui escrevendo. Talvez eu tenha me transformado no cara do comercial, que nunca voltou pra contar a história.Gisela Cesario