patavinas

Às vezes é difícil decidir o que dói mais, escrever ou engolir as palavras. Deixar que elas entrem em contato com tudo que está dentro da gente, deixar que elas se percam num estômago faminto, num coração acelerado ou num fígado mal-humorado.

Monday, February 12, 2007

Culpa

Hoje o tema da redação é a culpa. Dizem que a culpa é um sentimento que vem do pecado original, culpa da eva, que ofereceu a maçã pro Adão e dele que comeu. Por isso, passamos os dias nos sentindo culpados de algo que não temos bem certeza o que é. Precisamos sempre de alguém pra dizer, calma, a culpa não é sua. Cada vez que dizemos isso, estamos admitindo a existência da culpa, ela não é minha, não é sua, pode até não ter dono, como dizemos “não é culpa de ninguém”, mesmo sendo de ninguém, a culpa está aí, livre, leve e solta, rolando na ribanceira, pronta pra te atropelar.
Pensa bem, o que você fez de errado, ficou sentado no metrô ignorando a velhinha cheia de sacolas, mentiu pro namorado ou namorada, colou na prova, roubou no troco, passou no sinal vermelho, comeu sobremesa. Motivo pra se sentir culpado é o que não falta. E se faltar, a culpa é sua que está esquecido, sim, porque você deve ter feito algo errado. Quando um relacionamento termina, é normal a gente se perguntar aonde errou, de quem foi a culpa. Convencidos de que a culpa não foi nossa, passamos a pensar nos atos do outro, que deve ter sido culpado. Se mesmo assim, parecer que não houve erro, que tudo simplesmente tinha que acontecer assim, passamos a pergunta eterna, o que fiz pra merecer isso?. Aí já consideramos que estamos redimindo pecados de outra vida ou de um tempo tão remoto que não conseguimos lembrar. Foi aquele picolé que você roubou quando estava na primeira série, foi a vez que você derrubou o castelo de areia do seu priminho, foi aquele dia que você desejou que o professor fosse atngido por um raio só pra não ter prova. Não adianta. Somos culpados. A culpa é tão inevitável quanto o mais inevitável dos acontecimentos. Até a morte, o mais previsível dos fatos, é motivo de arrependimento. Morre-se de velho sim, mas poder-se-ia ter morrido mais velho, se não fumasse, nem bebesse, nem nunca tivesse comido um grama de gordura trans, se tivesse tomado dois copos de chá verde, oito de água, consumido ômega 3...quem sabe pode-se criar uma pessoa numa bolha, consumindo só coisas saudáveis e essa pessoa nunca, nunca, jamais morrerá, o que será uma tremenda tortura, já que o bom da vida é ir se matando aos pouquinhos...
Pensa bem,o que você fez de errado, por que esses fios de cabelos brancos, por que essas rugas, por que esse arranhão do lado esquerdo da porta do seu carro.
Fala a verdade, quando você diz bom dia, está mesmo é com vontade de dizer vá pro inferno e não enche o meu saco. Quando levanta pra dar lugar a uma velhinha pensa por que essa desgraçada não tomou um táxi ou então tomara que Deus me recompense e eu consiga uma promoção.
Além de culpados, a maioria de nós é miserável. Pensa que só porque fez uma coisinha boa à toa já é a madre teresa de calcutá, aí, se a recompensa não vem, o cão fica desobediente ,e o homem e a mulher ficam com raiva. Com raiva da vida, do destino, pensam o que fiz pra merecer isso, acabam fazendo alguma coisa mesmo, gritam, traem, chutam o balde. Pra quê? Pra se sentir culpado depois. A culpa é mola do mundo. Que graça teria nunca poder perdoar nem ser perdoado? O perdão é aquilo que transforma a culpa em desculpa. Mata aquele bichinho feio que corroe você por dentro. Um simples sorriso basta para mastigar a culpa, transformá-la em milhares de partículas que se perderão numa alma perdoada. Imagine como seria ruim não ser o culpado. Não poder se arrepeder. Passar o resto da vida sem sentir o tesão de uma reconcialiação.
Pensa bem, aquele abraço, aquele beijo prolongaaaaadooooo, aquela respiração intensa, aquele amasso que só quem já teve culpa conhece.
Pensa bem, você deve ter feito alguma coisa errada.
Gisela Cesario